A Triple Bottom Line e a Abordagem Sistêmica
Julio F. Campos
A sustentabilidade tem sido a menina dos olhos de grande parte do setor corporativo nos últimos anos o qual nela busca meio para atingir novos mercados enquanto aperfeiçoa seu sistema produtivo.
Entretanto não temos observado uma correspondente melhoria nos parâmetros socioambientais, globais, nacionais ou mesmo regional. Na verdade, ao observarmos mais de perto as iniciativas adotadas, considerando o ciclo de vida do processo e da corporação bem como suas externalidades, vemos que a maioria das aclamadas ações de sustentabilidade cai no prisma do marketing verde, pouco ou nada agregando de fato à melhoria socioambiental necessária (1).
O motivo para tal recai sobre diversas causas, desde a falta de qualificação multidisciplinar de profissionais de sustentabilidade até a real falta de interesse no tema pelas corporações. O resultado mais frequente pode ser resumido no questionamento mais frequente, e paradoxalmente o mais simples de se responder, sobre “como ser sustentável?”.
A principal causa para esta dificuldade está na forma como a sustentabilidade é abordada dentro dos interesses corporativos.
Existem atualmente duas distintas formas de se abordar a questão da sustentabilidade, a Triple Bottom Line (TBL) e a Sistêmica.
Neste artigo serão apresentadas as semelhanças e diferenças entre ambas. Espera-se que, para aqueles não familiarizados com a teoria de sistemas complexos, possa ser lançada uma luz para eliminar a confusão existente entre ambos os conceitos.
A Triple Bottom Line
Um observador atento pode verificar que entre os diversos profissionais do setor privado, a definição de sustentabilidade é variada. A depender do profissional questionado, o mesmo irá apontar um diferente contexto para sustentabilidade. O CEO estará preocupado com a sustentabilidade da empresa no mercado, o RH com a de seus funcionários, e o responsável pela área de meio ambiente (se bem qualificado) com a ambiental e social. Como resultado temos diferentes definições para explicar a sustentabilidade como a capacidade da empresa de se manter competitiva (CEO), a satisfação dos empregados no ambiente de trabalho (RH), a saúde financeira da empresa (Financeiro) e a aderência às normas ambientais para atender aos interesses dos stakeholders (Meio Ambiente). Diferentes visões com diferentes opiniões sobre sustentabilidade.
A razão principal para tal variedade de abordagens está no que se conhece com Triple Bottom Line, proposta cunhada em 1994 por pelo consultor britânico John Elkington, segundo o qual as empresas deveriam se apoiar em três, distintas, esferas: Rentabilidade, Responsabilidade Social e a Responsabilidade Ambiental, também conhecida como 3Ps, Planet, People, Profit (Figura 1).
A falta de qualificação multidisciplinar (resultante de especializações em sustentabilidade mas dentro da área inicial de formação), bem como a complexidade matemática da abordagem sistêmica, torna a Triple Bottom Line um modelo a ser seguido, e resumiu a atuação dos profissionais de sustentabilidade da empresa à análise limítrofe dos pontos econômico, social e ambiental, como sendo um framework para a determinação da sustentabilidade empresarial(2-4).
Figura 1: Estrutura conceitual dos sistemas de acordo com a Triple Bottom Line
O fundamento para determinar a sustentabilidade de cada esfera, e por consequência da empresa, reside no conceito de “what you measure is what you get” (O que você mede é o que você recebe), segundo o qual o nível de responsabilidade de uma empresa em dada esfera depende exclusivamente do quanto ela é capaz de medir um determinado parâmetro, seja em sua atuação econômica, social ou ambiental (5, 6).
Desta forma, somente quando as três esferas se sobrepõe em um ponto de equilíbrio a sustentabilidade é obtida (Figura 2).
Figura 2: Interação das esferas segundo a Triple Bottom Line.
Na necessidade deste ponto de sobreposição reside a falha do uso da Triple Bottom Linequando se tenta avaliar um determinado problema de forma sistêmica. Embora a visão da sobreposição das três esferas esteja dentro no contexto de uma visão holística, conforme veremos ela não está dentro da visão sistêmica.
Três críticas podem ser feitas à esta abordagem com base em sua estrutura conceitual.
- A primeira envolve a questão “what you measure is what you get” a qual determina que é necessário mensurar o impacto da empresa para que se possa determinar sua sustentabilidade. A falha óbvia desta abordagem é ignorar que no âmbito social e ambiental aquilo que pode ser mensurado é uma fração de um total cujo maior componente é intangível (7, 8) e, como resultado, a esfera econômica sempre será mais representada que as demais (6, 9).
- A segunda crítica é a falta de visão sistêmica da questão da sustentabilidade, fornecendo uma estrutura rígida de análise que não permite uma correta integração entre as esferas, além de deixar a questão ecológica de lado. (6, 10, 11)
- A terceira crítica reside no fato que o conceito de trabalhar em três esferas distintas não representa de forma realista as complexas interações envolvidas entre elas e suas inter-relações de dependência existentes (12, 13).
- A quarta crítica, consequência da primeira está na apresentação e resultados socioambientais derivados de atividades internas às empresas, como economia de água, redução de emissões (ponto popular para as empresas em detrimentos de seus outros impactos ambientais) e, (outro ponto popular na questão social), integração de funcionários em função de raça e gênero. Fica óbvio analisando seus relatórios de sustentabilidade empresarial que mesma não possui a mesma preocupação com o que ocorre fora da zona de sobreposição da Triple Bottom Line(5, 11, 12, 14).
Embora a visão dos três componentes atuando de forma conjunta seja também uma visão holística, ao ignorar as questões intangíveis e considerar a sustentabilidade como a interposição de três esferas distintas, não é possível considerar de forma alguma a Triple Bottom Linedentro do âmbito da abordagem sistêmica.
A Abordagem Sistêmica.
A abordagem sistêmica se baseia na teoria de sistemas complexos para analisar as questões relativas à sustentabilidade (13, 15-17) e embora dependa de uma visão holística, ela também depende da abordagem holística, ou seja, não basta saber quais os fatores estão envolvidos na problemática, é necessário saber como eles estão envolvidos e interagindo, independente da forma de sua mensuração (18-20).
Uma forma prática de compreender estas inter-relações está proposta na Figura 3, na
qual se pode observar como a abordagem sistêmica trata da estrutura entre meio ambiente, sociedade e economia. (21)
qual se pode observar como a abordagem sistêmica trata da estrutura entre meio ambiente, sociedade e economia. (21)
Figura 3: Relação entre economia, sociedade e meio ambiente de acordo com a abordagem sistêmica.
O primeiro ponto a ser observado é a distinção entre a estrutura conceito de hierarquização da economia, sociedade e meio ambiente. Enquanto a Triple Bottom Lineas considera distintas, a abordagem sistêmica corretamente as hierarquiza, considerando as dinâmicas inter-relações entre as três esferas, assim, conforme observamos na realidade, a dimensão social não pode existir fora da ambiental assim como a econômica não pode existir fora da social (22). Esta análise se torna mais óbvia quando consideramos que ainda existem sociedades tradicionais que não possuem nenhuma forma de organização econômica(23), assim como existem ambientes sem a existência de nenhuma sociedade humana.
O segundo ponto reside no fato que a abordagem sistêmica, conforme representado pelas linhas pontilhadas, corretamente identifica não apenas as constantes relações de interdependência, mas também os loops de feedback, positivos ou negativos, envolvidos (Figura 4) (24-26).
Figura 4: Dinâmica de inter-relações e feedbacks entre os a economia, sociedade e meio ambiente.
Desta forma é possível estabelecer que a abordagem da Triple Bottom Line, considerando as esferas de forma distinta e a responsabilidade da empresa limitada ao que pode ser mensurado, resulta no incorreto entendimento da real abrangência da atuação corporativa no que tange à sustentabilidade.
Além disso, quando as esferas são corretamente organizadas por nível de hierarquia, fica evidente em sua estrutura piramidal que todas as propostas de sustentabilidade têm como base (são derivadas da) a sustentabilidade ambiental. Sem esta, a busca pelas demais se torna obviamente irrelevante (27).
Conforme colocado, é fundamental também, a compreensão que embora ambas as abordagens apresentem uma visão holística (sendo esta a única semelhança entre elas), a visão holística não é sinônimo de visão sistêmica.
Referências bibliográficas
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