Paradoxos da Sustentabilidade Empresarial.
Julio F. Campos
As corporações são baseadas em três pilares ao apresentar
suas soluções para alcançar a
sustentabilidade:
a)
Aumentar a eficiência e o uso de novas tecnologias;
b)
Reciclagem de resíduos para reutilização;
c)
Mudança no processo de produção para o uso de fontes
renováveis e limpas.
Embora as corporações dependam dessas abordagens para manter
sua saúde financeira em face de uma demanda crescente de sustentabilidade
veremos que, do ponto de vista socioambiental, essas soluções podem ser muitas
vezes paliativas e não podem ser sustentáveis se não houver, na verdade, redução
na exploração dos recursos.
1. O Paradoxo de Jevons
William Stanley Jevons, conforme postulado em 1865 no livro
"A Questão do Carvão", observou que, à medida que menos carvão era utilizado
para produzir um único produto, devido ao aumento na eficiência de seu uso, o carvão
excedente permitia o uso do maquinário para a expansão da produção desse
produto específico, ou de outros produtos, com menores custos de produção.
Como postulado:
"Seja qual for a ação que pode levar ao aumento da
eficiência do carvão e reduzir o custo de seu uso, ele tende diretamente a
aumentar o valor da máquina a vapor e expandir o alcance de suas
operações".
Como resultado temos que não importa quanto carvão possa ser
usado para produzir um produto específico, a quantidade total de carvão utilizada
pela empresa aumentaria.
O motivo baseia-se no fato de que a redução dos custos de
produção leva a preços mais atrativos para o consumidor, seguido da expansão da
participação de mercado. Como consequência, temos uma maior demanda pelo
produto, agora acessível a novos consumidores potenciais. Portanto, com o
aumento da venda de produtos, mais recursos são consumidos como consequência o
aumento de eficiência do processo de produção.
Muitos exemplos podem ser apresentados para demonstrar o
paradoxo, por exemplo: enquanto a indústria automotiva, particularmente nas
últimas décadas, aumentou consideravelmente o uso de carros eficientes em
termos de combustível, o número de carros produzidos por ano também aumentou,
de cerca de 39 milhões em 1999 para 89 milhões em 2014 (com o consequente
aumento do consumo de recursos para sua produção), enquanto a eficiência do combustível
do carro no mesmo período passou de 25mpg para apenas 27mpg (milhas por galão).
Mas é preciso sempre considerar a questão de forma global. O
aumento da eficiência não só reduz o preço de um único determinado produto, mas
também uma variedade cada vez maior de produtos. Com a redução dos preços, o
poder de compra do consumidor aumenta e, consequentemente, ele tende a consumir
maior variedade de produtos, resultando em um aumento nos impactos ambientais,
seja pelo aumento do consumo de recursos ou resíduos de produção.
Portanto, sempre deve ser lembrado que a redução no consumo
de um determinado recurso natural será insustentável se for seguido pelo aumento
nas vendas do produto final.
O paradoxo de Jevons é a razão fundamental pela qual
aumentar a eficiência através da busca de novas soluções tecnológicas não é a
solução para o esgotamento dos recursos naturais.
2. O Paradoxo de Reciclagem
A questão da reciclagem foi colocada como um dos grandes
objetivos a serem buscados para reduzir tanto a quantidade de resíduos
descartados, permitindo sua reinserção no sistema produtivo como matéria-prima.
Embora, a primeira vista, a reciclagem possa ser uma solução
interessante, ela só se mantém em um cenário onde o paradoxo Jevons não se
aplica.
O motivo disso está na segunda lei da termodinâmica, que
afirma que a entropia de qualquer sistema isolado sempre aumenta. Entropia é
originalmente definida como a quantidade de energia inutilizável, sob a forma
de calor dissipado, resultante de qualquer atividade que envolva o uso de
energia.
Um exemplo simples é o calor residual de fricção entre duas
mãos. Embora possa ser sentida, a quantidade de energia disponível não pode
alimentar qualquer tipo de atividade. Portanto, quanto mais componentes que consomem
energia estão incluídos em um sistema de produção, maior será a entropia
gerada.
No entanto, o conceito de entropia também se aplica à
matéria, no caso específico da poluição. Sempre que um recurso particular é
fragmentado em frações menores, sua utilidade é reduzida ao ponto em que não
pode mais ser aproveitado. Um exemplo clássico é a queima de resíduos. Enquanto
na forma de resíduos, ele pode ser gerenciado com um propósito útil ou
armazenado para evitar danos, no entanto, a queima desses resíduos os converte
em frações microscópicas e dispersas, isto é, fumaça, tornando-se assim
impossível de gerenciar.
A implicação é a conversão sempre cumulativa de algo útil em
algo inutilizável.
Dois exemplos atuais podem ser dados para esse problema:
a)
É um fato bem conhecido que os resíduos de plástico
estão acumulando nos corpos de água e oceanos. Como a entropia se aplica a esse
problema? O desperdício de plástico por si só não é um problema significativo
porque é composto de estruturas gerenciáveis que podem ser coletadas e destinadas
adequadamente. O problema do plástico realmente ocorre após algum tempo de
exposição à radiação solar, o que faz com que o plástico se degrade em micro e
nano partículas que são impossíveis de serem coletadas ou gerenciadas.
b)
Outro problema em que a entropia se aplica são os
projetos de reciclagem que dão um uso final para o uso de resíduos como
combustível em usinas termoelétricas. Mais uma vez, os problemas se aplicam à
medida que os resíduos gerenciáveis estão sendo convertidos em gases e
micropartículas. Embora esses resíduos possam ser parcialmente contidos antes
de serem liberados para a atmosfera, o custo de fazê-lo é a adição de mais
energia e matéria ao processo, resultando também em um desperdício que não pode
ser usado.
Este é o caso dos sistemas de produção, incluindo a
reciclagem. Sempre que um novo componente é adicionado a uma cadeia de
produção, mais energia e recursos são consumidos. Consequentemente, para cada
ciclo completo do processo, a entropia e a quantidade de recursos inutilizáveis
serão cumulativamente aumentadas, enquanto a disponibilidade de energia e
recursos para o processo será reduzida cumulativamente.
Desta forma, a reciclagem dentro do cenário de produção
constantemente crescente não oferece uma solução para o problema do esgotamento
dos recursos naturais, mas apenas um paliativo.
3. O paradoxo das fontes renováveis e limpas
A renovação e a limpeza dos recursos renováveis são as
grandes chamadas atuais para seu uso, os quais são constantemente apresentados
como recurso de marketing por corporações.
3.1. Fontes renováveis
Somente fontes planetárias, o sol, ondas, marés e ventos
podem ser considerados renováveis. Todas as outras fontes têm uma renovação
relativa que depende exclusivamente da capacidade do sistema em fornecer os
elementos básicos para sua produção, i.e. A renovação da energia hídrica que é
limitada pelas condições climáticas que definem a disponibilidade de água ou a
renovação de biomassa que depende da demanda existente, pois sua produção,
exigente em uniformidade de matéria-prima, só pode ser obtida através de
monoculturas de grande escala. Se há uma grande demanda por biomassa, a
renovabilidade é afetada pela exaustão do solo, que tradicionalmente resulta em
erosão e desertificação.
Portanto, o consumo de um determinado recurso por uma
população deve respeitar a capacidade do sistema para produzi-lo.
Assim, deve ser claro que, independentemente da fonte ou destino,
a intensidade de sua produção é o fator determinante para determinar se é
renovável e, portanto, sustentável ou não.
3.2. Fontes limpas
Em relação a fontes limpas, há um mal-entendido comum que
deve ser desfeito.
Ao falar sobre fontes limpas é necessário ter em mente que
estamos nos referindo exclusivamente à fonte do recurso em questão. Por
definição, todas as fontes planetárias e renováveis são limpas. O ponto de
confusão ocorre pela falta de distinção entre fontes limpas e processo limpo.
Mesmo que usemos uma fonte limpa, como sua colheita e uso
são feitos determinará se o processo é limpo ou não. Um exemplo clássico são as
usinas hidrelétricas. Embora com base em uma fonte limpa e renovável, são
produzidos numerosos impactos ambientais durante sua construção e operação,
entre eles:
a)
Alterar o fluxo do rio e bloquear a migração de peixes;
b) Alto nível de emissão de metano;
c) Mudança nas atividades de pesca.
Outro exemplo é a produção de biomassa. Embora possa ser
renovável, a adição constante de aditivos químicos resulta em contaminação do
solo e dos corpos d'água, causando problemas como a contaminação da água
potável ou a eutrofização de corpos d'água, levando à mortalidade de fauna
devido à falta de oxigênio.
O uso de fontes planetárias também não é necessariamente
limpo. Painéis fotovoltaicos exigem o consumo de grandes quantidades de
recursos para sua produção e área para instalação. As turbinas eólicas, além da
demanda por recursos em sua construção, causam grande mortalidade de pássaros e
morcegos, além de poluição sonora.
Portanto, é importante ter em mente que, quando se trata de
fontes limpas, é obrigatório avaliar como ela é obtida e como é usada porque são
nesses estágios que os danos ambientais se apresentam.
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