Quando a Sustentabilidade vai a Lugar Nenhum: A Conferência Ethos - 360 Graus de 2016 – Uma Sessão Pobre de Autoelogios
Hugo Penteado
Nem quis mais participar em 2017.
Não sei quem escolheu o termo infeliz de 360 graus para a conferência, mas é
perfeito, a conferência deu a sensação nítida que giramos, giramos, giramos e
não saímos do lugar. Na verdade saímos: estamos muito pior do que quando esse
movimento todo começou há 20 anos atrás.
Sustentabilidade que não muda
absolutamente nada é pior do que não fazer sustentabilidade alguma, apenas pelo
fato que cria uma sensação de que algo está sendo feito. Não está. Os troféus
de sustentabilidade continuam sendo esgoto nas cidades, lixões, desastre causado
pela Vale em Minas, desastre do Golfo do México, Alberta, desmatamento para
monocultura, agrotóxicos em larga escala dizimando biodiversidade e insetos
indispensáveis à vida, mudança acelerada do clima, concentração extrema e
descontrolada de renda e riqueza, poluição ininterrupta, extinção da vida
acelerada, etc.
Não há um só indicativo bom nisso tudo, apesar de tanta conferência e crendices.
De uma forma geral, as palestras
foram vazias, sem conteúdo informativo, sem nenhum espaço para críticas, sem
nenhuma avaliação de problemas que nós temos hoje e sem debate, apesar da
abertura para perguntas. Muito voltada para palestras de sustentabilidade para
sustentabilidade que ainda fala sozinha e claramente para enaltecer os feitos
das empresas benignas. Para agravar, todos os porta vozes são muito bem
remunerados, ao contrário da maioria dos funcionários dessas empresas que
ganham muito pouco e que agora foram ainda mais acachapados por uma reforma
trabalhista aprovada só por empresários.
Mas que feitos têm eles para mostrar?
Nada pode estar mais descolado da realidade do que quando falamos de
sustentabilidade. Ficou evidente que os palestrantes estavam só focados nos
méritos das empresas e não numa real mudança de paradigma e numa avaliação
criteriosa desse processo que já dura duas décadas. Isso é devastador,
principalmente pela falta de resultados palpáveis.
Apesar de já ter passado 20
anos, é chocante ver que o tema das palestras é ainda apenas um conjunto de
idéias especulativas ou do tipo "isso ainda não foi feito, não é possível
que ainda estejamos falando de trabalho escravo!". As mudanças não ocorreram e depois desse
tempo todo já era para estarmos na fase de avaliação dos resultados, já era
para ver um novo e absolutamente novo mundo de negócios. Nada disso aconteceu.
Pelo contrário, aconteceu o pior.
A negação e a fraude ganharam forças descomunais para manter o interesse de poucos.
A farsa pode ser facilmente
desmontada.
Diretora bem remunerada de grande empresa fala sobre os projetos
sociais nada relacionados ao cerne do seu negócio, algo que já foi excomungado
há muito tempo, mas que é praticado livremente como se não houvesse vida
inteligente na face da Terra. Pergunto a
ela, a tal diretora, no que ela engasga mostrando que o rei está nu:
“Por ventura institutos que tentam dar suporte à sociedade não representam o fracasso do modelo empresarial em si mesmo? Se a atividade cerne dos negócios promovesse resultados sociais favoráveis a todos - e não apenas aos acionistas - os institutos sociais não seriam desnecessários?"
Votorantim,
Monsanto, Shell, Natura, bancos, escolha qualquer um, aqui e lá fora, nenhuma
empresa relevante no mundo mudou o cerne do seu negócio e abandonou o seu
objetivo egoísta voltado apenas para lucros concentrados nas mãos de poucos – e
é por isso que a remuneração é tão piramidal, ainda estamos no sistema dos escravos
do Egito. Criaram farsas e quem faz
parte disso, comprou um bilhete só de ida para o Hades. Espero que não voltem
nunca mais.
Tem que ser feito uma crítica do
que já foi feito, quais foram os resultados, se estamos na rota certa e se isso
tudo realmente se trata de um movimento para uma real mudança e não apenas um autoelogio,
na esperança vã que ninguém perceba a farsa.
O que temos talvez sejam apenas algumas iniciativas boas, não muito mais
que isso, mas ainda totalmente apartadas do núcleo de empresas e muito aquém do
desafio gigante que enfrentamos para sobrevivermos como espécie animal.
A parte de discussão sobre o clima foi de um flagrante e injustificável otimismo, tudo ainda dentro de uma enorme carta de intenções, enquanto em agosto [2016] foi anunciado como um novo recorde histórico mensal de alta de temperatura e de emissões. Mas estamos otimistas que iremos deter o problema climático que... pasmem, já está completamente descontrolado, um claro sinal de dissonância cognitiva de todos. A única parte útil foi a discussão sobre racismo e sexismo nas empresas, mas por um grupo de lideranças locais fora das empresas. Surreal. A única coisa boa não era das empresas.
Problemas, falta de avanços e até
retrocessos não são discutidos. Bancos gigantes famosos, baluartes da
sustentabilidade, no passado tinham áreas de sustentabilidade com dezenas de
pessoas e com status de diretoria executiva. Hoje tem grupos de no máximo seis
pessoas ou bem menos e rebaixaram a diretoria de sustentabilidade para uma
gerência ligada à Diretoria de Comunicação e Marketing, algo fortemente
excomungado e criticado no começo desse processo 20 anos atrás. Isso é um
exemplo de como o movimento perdeu força. Espanta ninguém comentar isso.
Empresas de cosméticos famosas
pela sustentabilidade possuem linhas ecológicas que devem responder por menos
de 2% do total da produção e essa linha não se paga, é inviável
financeiramente, não passa de estratégia de marketing e a empresa continua
focada nas externalidades e no lucro de curto prazo, ou seja, no “business as
usual”. Mesmo assim tentam vender uma
imagem de sustentabilidade. Muitas pararam de fazer testes em animais recentemente,
ou nem pararam; muitas compram matéria prima de óleo de palma da Ásia, fonte de
uma das maiores destruições de florestas tropicais do planeta.
Toda essa análise de crédito
socioambiental que é vendida como ação de sustentabilidade dos bancos, não
barra praticamente nenhuma operação de crédito dos bancos. É muito estranho,
com tanto problema ambiental e social à nossa volta, que essa avaliação de
crédito socioambiental seja capaz de dizer que tudo está perfeito. Em resumo,
tudo não passa de farsa ou de estratégia de marketing ou de fingir que fazem
alguma coisa sem fazer absolutamente nada para mudar esse sistema ou o cerne do
seu negócio. Das duas uma: ou a avaliação socioambiental de crédito - e também
de investimentos - é muito fraca ou sequer é feita, serve para constar apenas
em tabela de atividades.
Nenhuma empresa mudou, ou foi
intimidada por essas análises ou propostas. Tiveram suas ações questionáveis de
sustentabilidade apenas ratificadas por meio de constantes autoelogios sem
significado algum. Temos sinais de uma sustentabilidade fraca ou melhor,
inexistente e todos muito focados no autoelogio das suas empresas. Se fôssemos uma tribo de índios, seríamos
dominados pelas tribos inimigas facilmente. Ainda bem que não somos, pobre dos
índios por nos terem como vizinhos. Eles sabem organizar uma sociedade, nós só
sabemos destruí-la.
Na conferência conversei aqui e acolá com algumas pessoas e vi que existe muita frustração entre os que querem lutar verdadeiramente pela sustentabilidade.
Toda a turma inteligente e importante de pessoas que atuava nessa área debandou e quem ficou faz de conta que o faz de conta da sustentabilidade está resolvendo todos os problemas que ameaçam o futuro da vida na Terra. A questão sistêmica ainda é e será sempre o mais importante e não pode mais continuar sendo ignorada. A escolha não é nossa, não fazemos escolha quando se trata do planeta. O que podemos fazer é agir para consertar o estrago do sistema econômico e fazer com que ele siga as regras da Terra, pois não passa de um subsistema frágil que vai desaparecer com a vida na Terra se continuar agindo como se a natureza fosse inesgotável ou irrelevante.
Também ainda não caiu a ficha que
nossa tecnologia é irrelevante e não nos irá salvar. A visão antropocêntrica do
problema tem que ser substituída pela visão científica e se esse sistema não
mudar terá como consequência nossa extinção no prazo máximo de 40 anos (esse é o
alerta atual dos cientistas). Nós
dizimamos metade da vida na Terra nos últimos 40 anos, a vida terrestre,
aquática, animal e vegetal, não temos mais 40 anos para dizimar o resto. Os cientistas dizem que teria que estancar
imediatamente essa extinção em escala planetária para evitar que ela se
voltasse contra os causadores, ou seja, nós.
A única forma de estancar essa extinção, é estancar a destruição e a
pressão contínua sobre os ecossistemas. A única forma de parar isso é mudar radicalmente o modelo econômico, a
obsessão maníaca pelo crescimento do PIB baseado em consumo, cujas
benesses só privilegiam os mais ricos.
Nosso sistema atual já gerou e
continua gerando uma desigualdade extrema que pouca gente se importa,
principalmente aqueles que mandam nesse sistema ou que ainda conseguem manter
suas vidas boas, justamente porque são os que se beneficiam dessa desigualdade
corrompida. Como mudar um sistema no qual quem manda é quem mais se beneficia
dele? Um comentário interessante em uma das
palestras foi esse:
"Estamos fritos, porque pelas palestras parece que todos acreditam que temos todo o tempo do mundo. As ações concretas de parar a pressão nos ecossistemas e restaurar já o que fosse possível não vão acontecer, não consigo ver essa possibilidade."
Foi uma única voz lúcida no
meio de enganadores contumazes.
Todo o movimento de sustentabilidade se endeusa a si mesmo, não tem avaliação crítica, não tem preocupação de avaliação de resultados, temos em alguns casos avaliação particular como das empresas florestais, mas que mesmo assim ignora riscos sistêmicos. O meio ambiente é uno, não adianta ter um empreendimento super bom e o resto não ser. Não adianta ter um país melhor ecologicamente e o resto do mundo não ser. Do ponto de vista da biologia e da Terra, somos todos um. Ninguém e nada estará a salvo enquanto o sistema for degradante ao nosso redor. Nosso sistema requer uma mudança radical de paradigma e que precisa ser global; o tamanho do desafio é imenso e assusta quando vemos atividades pífias e falsificadas das empresas nessa área. E mais importante, não adianta ter uma sustentabilidade que não envolva todos, cadê a fala dos funcionários dos diversos setores das empresas em relação a isso?
Por que só entrevistam e só dão voz a funcionários bem remunerados das empresas e que são a minoria delas?
Acho que a resposta é clara. Empresa sustentável é aquela que nossos filhos poderiam trabalhar em qualquer posição e ter uma vida digna, não precisariam ser executivos, diretores ou filhos dos donos das empresas. Todos teriam uma vida saudável, viável, justa, feliz e capaz de ajudar suas famílias, a começar por ter uma casa própria. Não. As empresas pagam misérias aos funcionários e essas empresas elas mesmas falam que são sustentáveis. Outro exemplo de dissonância cognitiva.
Nada, mas nada sobre risco sistêmico social e ambiental é dito. Ações particulares que além de questionáveis, mesmo que somadas não mudaram nada. A mensuração de risco sistêmico depende muito mais de conhecimentos de física, biologia e paleontologia. As mensurações monetárias são um erro, o PIB é um erro. Nicholas Georgescu Roegen já tinha identificado esse problema. A métrica deriva de um conjunto de valores e enquanto não houver uma mudança geral de valores, a métrica não muda. O PIB não é aceito porque o PIB é uma boa métrica, o PIB e outras estatísticas econômicas são aceitas porque atendem interesses particular de um pequeno grupo privilegiado da sociedade. Além disso, nenhuma métrica é capaz de mensurar as necessidades das gerações futuras, porque elas não existem ainda para reivindicar o seu quinhão na Terra; as gerações futuras foram ignoradas por todas as métricas, apesar que agora não estamos mais falando da ameaça às gerações futuras, mas às viventes.
Nada, mas nada sobre risco sistêmico social e ambiental é dito. Ações particulares que além de questionáveis, mesmo que somadas não mudaram nada. A mensuração de risco sistêmico depende muito mais de conhecimentos de física, biologia e paleontologia. As mensurações monetárias são um erro, o PIB é um erro. Nicholas Georgescu Roegen já tinha identificado esse problema. A métrica deriva de um conjunto de valores e enquanto não houver uma mudança geral de valores, a métrica não muda. O PIB não é aceito porque o PIB é uma boa métrica, o PIB e outras estatísticas econômicas são aceitas porque atendem interesses particular de um pequeno grupo privilegiado da sociedade. Além disso, nenhuma métrica é capaz de mensurar as necessidades das gerações futuras, porque elas não existem ainda para reivindicar o seu quinhão na Terra; as gerações futuras foram ignoradas por todas as métricas, apesar que agora não estamos mais falando da ameaça às gerações futuras, mas às viventes.
Outro problema identificado pelo
Georgescu é a precificação da natureza, porque ela só tem valor intrínseco na
sua maior parte. Isso significa dizer que não tem como mensurar a natureza.
Qualquer relatório de físicos, biólogos, climatologistas, como Antonio Donato
Nobre, revelam valores incalculáveis: um só serviço da Amazônia, a evaporação
de 21 bilhões de toneladas de água por dia na atmosfera, maior que o volume do
rio Amazonas, requereria a energia de 50.000 Itaipus, possível de serem
construídas nos rios da Via Láctea. É
necessário compreender o funcionamento desse sistema para sua preservação, não
adianta mensurar porque o valor é tão incomensurável que é provavelmente maior
que o PIB mundial. Além disso, é lógico
que as pessoas já se acostumaram a um sistema de preços no qual o dano social e
ambiental tem custo zero – como forçá-las a pagar por isso e como abandonar a
demanda crescente por consumo internalizando esse custo?
Enquanto tentamos precificar e
não preservar, deixamos a economia global caminhar como um trator sobre os
sistemas de sustentação da vida na Terra. Isso foi um enorme desperdício de
tempo, de trabalho, de objetivo e não foca na mudança de paradigma. Houve uma mudança muito grande nos últimos 20
anos que parece que esse movimento de sustentabilidade não percebeu, nem
acompanhou. Lá trás só se falava em se
preocupar com as gerações futuras, só que o IPCC previu que o Ártico ficaria
totalmente aberto para navegação em 2100, e agora isso vai acontecer em
2035. A elevação de temperatura prevista
para ocorrer só em 2100, já foi atingida no ano passado, em 2015.
A preocupação com as imensas tundras, que tem
um potencial de emissões de gás metano que acelera o efeito estufa 1000 vezes
mais rápido que o gás carbônico, aumentou muito. Os negadores da questão climática podem
continuar na sua tecla, mas tudo que eles disseram que ia acontecer, como por
exemplo, redução das temperaturas nessa década, redução das emissões, nada
disso aconteceu, ao contrário: o que se observou foi o oposto do que eles
disseram. Se fossem honestos, já teriam reconhecido seus erros de análise, mas
não, temos um sistema interessado em financiar a negação da mudança climática e
isso mantém a voz de quem já deveria ter se calado. A mudança climática e a extinção da vida está
num processo muito mais rápido do que imaginávamos anteriormente.
As palestras da Conferência Ethos 360 graus deram a impressão que não temos problema algum, os resultados são tão favoráveis que não precisam nem ser criticados, questionados ou avaliados.
Embora todos os sistemas críticos planetários estejam se desmoronando sobre
nossas cabeças, essa conferência tentou dizer sem credibilidade alguma que iremos
rapidamente ver uma mudança de quadro sistêmico e do modelo com inovações e
tecnologia e que todo o dano sumirá das nossas vistas. Segundo eles, as empresas já se tornaram super
magnânimas com a sociedade, embora nenhum funcionário de menor importância
tenha vindo dar seu depoimento e nenhum número de salário médio ou igualdade
salarial de gênero ou de diferença entre maior e menor salário tenha sido
mostrado. Em relação ao meio ambiente
idem, seu desejo de expansão desenfreado em cima da economia do consumo, do
descarte e do desperdício, vai estar completamente desconectado da pressão
sobre os ecossistemas finitos, graças a tecnologias que sequer foram
apresentadas ou discutidas ou demonstradas como tendo esse resultado
esplendoroso em nenhum lugar do mundo, simplesmente porque nada substitui a
tecnologia da natureza de sustentação da vida.
O crédito de não querer acreditar
nisso é totalmente nosso. Resta saber
quem ainda acredita nisso tudo. As únicas palestras que valeram a pena foram a
do movimento negro mas, por incrível que pareça, esse movimento não tinha
representantes de empresas. Eram pessoas independentes. Será que é esse o
caminho? Provavelmente sim: só resta nos libertarmos de todas as empresas, de
todos os seus produtos e caminharmos para uma economia livre, libertária da
sociedade onde os bens são visíveis e localmente produzidos por pessoas que
conhecemos, sem marcas. Nada estará ligado as ações promovidas por alguns
multibilionários e suas empresas. É o único caminho, jamais seremos uma
sociedade plena com tamanha desigualdade econômica transversal e jamais
evitaremos o fim da vida na Terra se isso não mudar. Se pela democracia somos todos iguais, o que
explica esse abismo social senão sermos apenas uma plutocracia cleptocrática?
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